estou a iniciar um texto. eu me concentro: e eu sei, eu vou perder um tempo. é como se fosse ter um filho ou fosse decolar, pular de um prédio. passo a ser uma extensão de mim. tropeço, como um bêbado. trago a embriaguez comigo. sou apenas um pacote de receios. sou eu, resguardo.
sábado, 17 de julho de 2010
a intenção tem um cheiro
todos ficarão velhos, mas poucos envelhecerão. ela ficaria velha logo porque foi comigo que viveu toda a juventude. toda a virtude de ser moça - cujas rugas agora lhe impregnam no rosto como uma roupa fora de moda, destroçada no corpo. como poderia eu negar a injúria com que lhe agraciei tantas vezes? não me destruiu, mas me possuiu com tanto bem que todo bem que tinha já não existe mais. poderia trocar os pés do salto - porque uma mulher de salto era inecreditavelmente lindo - em tantos outros homens: eu já não contaria mais com a sua presença em mim. porque era inevitavel esse novo amor que começou pelo fim. eu precisava das coisas que começavam primeiro. eu não pegava filas pela metade, homens, mulheres pela metade. eu era inteira, e eu era a primeira sempre. ainda fora de mim, sei, seria sempre resto de outro. isso só acontece porque as pessoas se trocam muito. se não era possivel para uma alma pequena entender isso, que gigantesca alma e compaixão poderia eu exigir dela para que sua graça tivesse demorado mais tempo em mim? o samba era extremamente consolador. e eu precisava escrever para esquecer, e para ser lembrada. para ser lembrada, eu precisava escrever para esquecer e para não me fugir da cabeça o desabor de gostar tanto. eu já não poderia ir além disso. a verdade era que eu não era capaz de muita coisa. esse amor, tão irresponsavel amor, não me puxaria porque à jovem ganancia de se apaixonar somente é possivel se entregar uma vez. a paixão - ah, tão jovem paixão, - já tinha perdido a vida, afogada no lado dos amores passados, e posta de lado pela minha perpétua reticência com o futuro. eu me larguei, e surpreendentemente eu não morri. eu acordei em uma praia desnumbrante, bordando com os pés a areia, e as mãos intactas, perfeitamente limpas. eu poderia escrever para sempre assim; eu tinha todo o tempo do mundo para mim. e que abundante bondade poderia haver nisso, afinal?
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Que bonito!
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