sexta-feira, 4 de julho de 2014

Ao labirinto fugaz da memória

o amor é aquilo que nos oferece um novelo de lã no labirinto [*]

Noventa dias passam em um único piscar de olhos. Noventa dias: período de experiência definitiva do fim do amor. Momento em que volta a outorgar a ideia irrisória do descarte. Será que acontece igual para todo mundo? Esta ideia de encontrar-se livre de algo cai com tanta facilidade que é possível usá-la sem proeminência de julgamentos... sem culpa mesmo. Embora haja sempre ressalvas sobre estas omissões negligentes que atribuímos à falta do outro, a memória é um labirinto que instiga o enamorado: não é à toa que, neste dédalo em que se vigila as lembranças, residam tantas confusões mentais.

Acredito que, raramente, o amor aconteça em algum pano de fundo político ou palco aristocrático através dos quais nós, por impulso natural, acabamos por atribuir o fracasso da guerra. Há pouca lógica sobre a qual se apoiar neste cenário. 

Este labirinto que percorremos ora certeiros, ora marginalizados, não traz nada além da desilusão do fracasso. É frustrante estar apaixonado por alguém que decide esquecê-lo; e tanto a memória quanto o passado têm a função de nos humanizar – acontece que, nos corredores de nossa própria cabeça, onde tudo é, antes de qualquer coisa e principalmente, uma história de amor, parece ser inofensivo tentar apagar o que ficou gravado no coração. 

Pois que falar de esquecimento nada mais é que falar sobre a necessidade substancial de ser lembrado; e estamos todos do avesso quando se trata das mazelas do amor. Por isso talvez, seja tão difícil indicar com precisão a causa de um mal nesta sucessão de acontecimentos desorientados, em que os amantes enfrentam o eterno problema de simplesmente se darem bem. Amores são exigentes. 

Fundadas ou supostas, é certo que estas exigências fazem com que a memória acesse diversos corredores deste conjunto de percursos cuja intenção é apenas a de desorientar quem os percorre. Imagine uma lembrança sendo puxada de você como uma corda que se desenrola janela abaixo? E então, a sensação tão próxima, tão real, de que, a qualquer momento, pode-se cruzar com o monstro outro vez? Toda desconfiança nos arrasta a um delírio.

Então, é no centro destas paredes erguidas com tanto esmero que o minotauro dos romances permanece intacto; e toda manipulação tenta dissolver-se. Lendário, histórico, verossímil: não importa. A criatura mítica decorrente de um amor não-natural só agrava o risco de sermos devorados e, aprisionada por suas características metade humanas, metade animais, permanece como uma placa luminosa que contesta justamente nosso juízo mais atroz e definitivo: sofrer por amor ainda é preciso? 


[*] Antigo conto grego: "O mito do Minotauro".

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