domingo, 30 de outubro de 2011

à ana | 15

carta à ana, entregue em julho deste ano mesmo.



quero que você deixe essa vida, que se case comigo. que nossos filhos sejam ruivos e de olhos verdes - porque a minha avó tinha olhos cor de céu quando amanhecia quando era moça. quero que você seja a moça mais feliz do mundo, que nossos dias sejam permanentes dentro da lucidez incômoda que temos em comum, que nossas noites sejam sempre cedo demais. que nossos "demais" não sejam muitos nem muito chatos, mas que sejam sempre excesso e que nos extrapolem. que você não parta, mas que divida comigo tudo que te faz distrair ou encantar. que você cante para mim, em um canto do quarto, o quanto eu ainda a posso surpreender. que você conte comigo, porque já não poderia mais fazer de conta, que é tão somente você que desejo tomar conta o resto da vida.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

a cabine | 6

tua vez, ana.




acontece que se você me sentasse no meio de um monte de gente, você teria a sensação de ficar invisivel. acontece que você não fica. você só começa a se maquiar com os outros. começa a se confundir com eles. você deixa de ser você sem sumir. e o pior, sem sumir. o espaço é como uma calçada imensa na qual você se senta, pede uma cerveja, gasta horas, dinheiro, muita invenção pra nada. é como se você fosse perdendo alguma coisa sem fazer ideia de onde deixou. não há instante para as coisas nossas deixadas nos outros. talvez elas estejam no mesmo lugar que o ultimo guarda-chuva perdido, o ultimo isqueiro roubado sem ladrão. e quem eu fui nesse tempo todo? eu precisava mergulhar em algum lugar, mas eu só tropecei em uma poça de água no chão. lugar raso. foi entao que eu tive uma idéia.

cartas curtas de alguém bem perto | 2

muita coisa nos faz exigir.
pouca coisa nos faz completar.
quase tudo nos tortura um pouco.
pouco e nada nos basta.


agora para. para com isso agora, rita.

felicidade são horas | 3

nós ainda seremos história dos outros mesmo que esta história seja a única história possível para nós. eu subo, te vejo, quase te toco. ao mesmo tempo, balanço sobre estas rodas finas por trás da cesta de arame, em ritmo que é você quem dá. eu ando a medida que você me vê. e quanto mais você me olha, mais a vontade de continuar me toma também. tomaremos uma água de coco depois daqui? acontece que você sorri tanto que eu paro de fazer perguntas. aos poucos eu começo a aprender o silêncio, a calma de ver. eu sinto como se você estivesse domando a minha urgência - e eu continuo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

eu me lembrei de você hoje, história

eu me lembrei hoje que seu apartamento tinha um pouco de bolor. nas rachaduras infernais do teto que renderam para nós inumeras noites de dor de cabeça imaginando o tamanho do desleixo patrimonial de seus vizinhos. e olha que nem eram muitos. eu me lembrei hoje das almofadas que imitavam cor de palha que você trouxe da viagem de recife - e no primeiro cochilo aquele enchimento barato fazendo cócegas nos nossos ouvidos. eu me diverti. eu me lembrei hoje do seu primeiro café que não deu certo. das horas que passamos tentando consertar o coador e a térmica para entender mais tarde que, na verdade, eram três colheres de pó, e não cinco. eu perdi a conta de quantos cafés tomamos na padaria, nesse meio tempo. eu me lembrei hoje do vestido grená, das suas meias constantemente sem par, da meneira como você adorava tangerinas e odiava peras, das revistas de economia que você nunca lia, do curso de partinação, das aulas de grego, da história.... eu me lembrei de você hoje. hoje, eu me lembrei de você de novo.

sábado, 15 de outubro de 2011

à ana | 14

ah ana. à você.
que continua fazendo história sem deixar de nos construir a cada dia.
obrigada.
eu te amo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

ana sobre o bom tempo | 2

tenho tido sonhos estranhos também. sonhos em que a gente se vê em bancos desconhecidos, em quartos apertados, em apartamento dos outros. talvez agora eu entenda a forma como você os tem descrito, esses sonhos de estranheza. eu teria me apaixonado com tanta facilidade por você, que, ainda quando penso, me corre certa sensação de espanto.


ana teria se apaixonado com facilidade por sua personagem. acontece que sabrina, aquela mulher incrivel, tornaria as coisas impossiveis. pois que elas já tinham dado nome aos filhos, aos pássaros, aos cães que teriam.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

pedro e claudio

andava sem pressa, para chegar no horário combinado. duas longas avenidas separava-os. duas avenidas e três cigarros. passos curtos eram suficientes para rever todos os tópicos para a conversa, daquele 30 de agosto. às 16:53, passou a pensar menos e a pisar mais forte no chão. quase podia enconstar o dedo mindinho na quentura do asfalto. ajeitou-se e abriu o portão. olhou o portão para trás de suas costas. só lhe poderia interessar dali em diante. estranhamente, teria percorrido duas avenidas e fumado três cigarros mais rápido do que este austero caminho de terra batida a sua frente, que se estendia até a porta. era majestosa a casa, como os olhos dele, pensava, que haviam se debruçado, aquelas janelas pareciam derramar suas interrogações também. por que tanta demora? se tivesse marcado pela manhã, não teria queimado os pés no chão. se não tivesse que vir até aqui, se tivesse dormido desde o primeiro dia do mês aqui... não teria ido embora, mas pensava, não teria vindo hoje também. deu um passo, retomou o ar. tossiu pra dentro. brigava para respirar de verdade. mais um passo para trás. chegava o momento de tocar a campainha. sim, ele estava lá, entre as frestas da janela via-se a poeira e o cheiro do café no caminho da luz. olhou para as sandálias, onde se formava uma bolha pequenininha. segurou a tosse de novo. bateu palmas, não foi preciso muito, e os passos pontuais de pedro se aproximaram. ele veio meio malemolente, meio sonolento. pijamas que tinham tomado a forma de seu corpo. ele olha minha sandálias com um sorriso de mover quase nada, mas de quem diz "eu me lembro desta postura". a intimidade faz isso com as pessoas. elas começam a se lembrar das pequenas manias torturantes ou dos pequenos gestos encantadores.

a xicara de café dele era fria, a minha, de chá, sem açúcar.

pedro! que bom que seu nome voltou a me ocorrer agora, pensei. pois que as pessoas que não tem nome são pessoas sem passado. eu entrei como se fizesse parte daquela luz, daquela poeira flutuante no sol. eu já tinha estado ali em outros tempos, cujo espaço entre os móveis era maior. seus olhos me afundaram? perguntei se ele estava sentindo dor. ele perguntou se alguma vez eu tinha sentido saudade.

-- claudio, nunca mais achei a blusa estampada, aquele que compramos no rio, lembra?

fechei e abri os olhos como quem não quer ver, não queria saber do passado em comum. e foi logo sentando na poltrona do canto, distante dos outros sofás. acendeu o baseado e esperou o som familiar do reencontro. era um cheiro familiar. pedi um trago, ou uma bicada (eu nunca soube usar suas gírias). ele me estendeu a mão e o espaço entre nós, antes abismo, tornou-se um vão. eu passaria apertado por lá, mas me contive e estiquei a mão em sua direção também. acomodei-me com a bolsa ainda pendurada no corpo.

-- não pedro, eu não faço ideia de qual blusa você está falando.
-- você só lembra do que realmente quer. senta!

então eu busquei um canto confortável no sofá xadrez, igualzinho de quando estive lá pela última vez. e a poeira da sujeira dos móveis gritava mais do que o café, mais do que eu mesmo. vai, pedro, pergunta logo! e pontuava a conversa, e burilava aos poucos. se disse que precisava conversar comigo, mas o que mais, eu pensava, teria de dizer? que tinha dez anos a mais do que eu, eu já sabia. que aquela noite derradeira, que os arranhões no corpo, que a mesma adrenalina que o despiu ou a entorpecência que o trouxe junto ao tédio foi o que o fez ir embora. eu já sabia disso tudo. acontece que o sofá era confortável mesmo assim, e genioso, fazia com que eu me adaptasse a ele. apoiei os punhos:

-- o que foi, pedro?


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parceria com dayane rodrigues,
do blog "palavras bambas"
link:
http://palavrasbambas.blogspot.com/
talentosissima!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

cartas de alguém bem perto

há vertigens entre chorar e rir.
há listas mundanas, pessoas de tão longe.
há tanta gente perto que já não sei mais se quero.
há tanta coisa que não entendo,
ainda que tudo me inquiete.
eu me permito o esquecimento e a lembrança.
eu gaguejo um pouco enquanto falo
e tenho quase certeza que me encolho um bom tanto quando deito.
em ser razão, eu me estico.
ao ser paixão, eu fico, eu permaneço.
não sei ser só do outro, nem tampouco, toda de mim.
eu vivo sempre mais embaixo, no mundo das trocas.
você não?

domingo, 2 de outubro de 2011

felicidade são horas | 2

ela
você já tinha pesado em passar a vida inteira no mesmo lugar? e qual lugar seria esse de dançar longe e tanto? foi por isso que nos sentamos aqui, márcio? você tem dançado durante a vida toda? eu também não. talvez sua disponibilidade me tenha inundado. e eu me deixei atrair, e me deixei inundar para perto de você. o que há proximo de nós agora? o meu cabelo feito onda, meu pouco sono, minha falta de coordenação... há uma proximidade tão desconhecida e tao familiar em você. você me segura?

márcio
você, menina, cuja beleza eu jamais poderia ter dito. tive que pousar meus olhos sobre você porque sua imensidão me puxava e me abatia os brios tempo após tempo. era claro que eu não havia dançado nada antes de você. não a este balanço, pelo menos. já estive aqui, mas este lugar é completamente diferente. você parece que se descola da paisagem, do banco, parece que te projeto no mar com a roupas voando ao vento. tenho vontade de pegá-la nos braços e sair correndo, ou como pássaro - bem rápido, que plana rasteiro e muito rápido sobre a agua. e justo de você que ora me dá a mão, ora me estende os olhos, noutrora balança os cílios e se encolhe. é você quem me convida para dançar. seu rosto é lindo. eu te conheço?

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texto baseado no conto de dayane rodrigues, "decupagem"
do blog: http://palavrasbambas.blogspot.com
link: http://palavrasbambas.blogspot.com/2011/09/decupagem.html

felicidade são horas

saudade do amor involuntário


a disposição é uma coisa que acontece delicada. quase me pega pelo colo, no balanço deste barco no asfalto, no dispensar de toda preocupação. tenho márcio em meus olhos, mesmo que ele tenha posto o rosto a me olhar e só. engraçadas são as coisas de agora. a tudo que é eternizado, é engraçado, parece lhe cair sobre certa seriedade. "saudade do amor involuntário", foi assim que decidi chamá-lo. agora, sentada, já não posso decidir quase nada. pois que márcio me torna paisagem, sorriso, completude. há pouco pensei em dizer para que descêssemos daqui, que pulássemos pela janela, que rolássemos pela areia. precisava tocar-lhe, sentir dele o cheiro real de sua presença. ao mesmo tempo, sua observação caía doce sobre mim, como parte de tudo, como anjo daqui mesmo, me fazendo sentar outra vez. eram essas as duas naturezas. márcio, você me vê. eu era vista. eu era sua imagem de hoje. e hoje, para mim, tem o seu balançar de braços a me seguir. acontece que agora, quando assisto a mim, minha falta de sincronicidade me irrita. mas eu sei que ele conseguiu capturar minha forma mais pura, mais simples de mim, minha agitação, talvez. minha urgência de viver.

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texto baseado no conto de dayane rodrigues, "decupagem"
do blog: http://palavrasbambas.blogspot.com/

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http://palavrasbambas.blogspot.com/2011/09/decupagem.html