CONTINUAÇÃO:
os muitos risos, e as armas que usamos: há sempre um espaço para se preencher sob a pele. você sabe, me conhece - eu já estive no mar. você põe suas âncoras em mim, como eu me lembro. põe suas coroas, suas tantas pernas cujas dobras já entortaram tanto em mim. tudo canta bem mais triste do que antes. haveria ainda uma razão para uma perda tão irrisória quanto esta? para o sorriso seu, de mexer tão pequeno e quase nenhum, em um céu de estrelas que era o seu rosto, eu ainda vejo a beleza deixada nas margens. nas poucas vertebras que me sobraram, ainda o ensaio do meu corpo a manter firme a minha imaginação. o futuro é o que eu imagino? o futuro é o que me toma o tempo agora, enquanto passo a gastar a espera com imagens de paisagens austeras e secas. de cenários quase alienígenas, de carentes intenções, da minha presença emprestada a você. eu não tive disciplina, nem fundamento na minha discórdia. então eu tenho de arcar com a falta? e eu não sei como você segurou o seu chão.
estou a iniciar um texto. eu me concentro: e eu sei, eu vou perder um tempo. é como se fosse ter um filho ou fosse decolar, pular de um prédio. passo a ser uma extensão de mim. tropeço, como um bêbado. trago a embriaguez comigo. sou apenas um pacote de receios. sou eu, resguardo.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
eu não sei como você segurou o seu chão
você não segurou o seu chão. quantas vezes mais as fotos apagadas não mudarão nada? que tempo foi aquele, cujo tédio tinha trazido você? eu tinha me arrependido nas mínimas coisas porque as canções ficaram. e agora, esse chão pisado das roupas suas, das coisas suas, das pernas minhas - já tão suas também... que desabor! e que amor tão pouco, a tão pouco prestado. quando a sua companhia se apresentou para mim, eu olhei tudo que você tinha deixado nas palavras nunca ditas. que olhos foram aqueles seus, tão meus, tão cheios de si? o tempo passava emprestado de outro, agora. eu tentava imaginar como você poderia ter ido embora, depois da valsa, naquele hora do samba tão nosso. você tinha uma forma sua de esperar as pessoas, de tratar a gente, e eu me lembro disso com perfeição. como a vida é estranha! e quão breve somos nós... o frio daqui não me agrada.
domingo, 25 de abril de 2010
FEMININO | 2
eu tardei os passos, enquanto mulher; mas o desabor da discórdia continuou o mesmo. eu não poderia crer na maldade única, nem na generosidade específica do homem. então vem o nível literário do mundo: no campo mágico do mundo, no país do absurdo, você olha a imagem de uma mulher e é tudo muito igual. quando há mulher, não há corte seco na sedução; não há amarra. eu encurtei os passos, a troco de nada. eu era a favor da contrariedade e da violência do grito. eu cometi vários erros - e o gênero da mulher sempre se constrói do ponto de vista de um homem: o homem inventou o duelo, e a metade da chance de matar de volta. a mulher é a rainha de retórica - e essa é a violência da linguagem pública.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
FEMININO
para o gesto feminino, não pode haver pudor. vai existir uma visão simples desse comportamento dela porque o equilibrio da mulher é outro: a questão dos pés, da postura. então você descobre que fechar as pernas não diz respeito apenas ao vestido. daria perfeitamente para compor uma cena dessas - de uma poesia tamanha que poderia me engolir com facilidade. eu também tinha vontade das partes suas que sumiram. porque a fome agride, dormir demais, a falta de sono agride. e você pode cair no entendimento caso não consiga perceber o literário: eu tinha cansado de tratá-la com poesia - e isso era curioso. todas as pessoas que vivem estão inevitavelmente se vendo. e você pode pensar que o pescoço já não diz nada sobre você, que a perna ou a virilha já não são suas. a feminilidade não está vestida em você; vestida estou eu, de nós. eu tinha perdido toda a minha aversão, e tinha ganhado ânsia em relação a este risco.
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