quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Velha Eterna | 6

(...) O próximo poderia não existir. Se um texto deve incidir sobre um fato concreto, um completo devaneio não deveria ser digno de um texto para exprimi-lo. Talvez uma mulher nua diante disso não tivesse argumentos também. A essência dela poderia preceder a experiência, mas quando? Antes de tornar a virar a página, passou a mão por cima dela diversas vezes. Às vezes, o peso. O pescoço caiu um pouco e a mão foi posta atrás da nuca. Nunca tinha lhe ocorrido nada assim antes. Teria que aguentar o peso da cabeça sobre os ombros e o da curiosidade sobre os olhos, debaixo das pálpebras. Era incrível o que se formava diante da nova folha virada. Imaginava como fazer para conduzir tudo aquilo. Imaginava o que a poderia ter trazido até ali. Nem sem os critérios pressuporiam justiça, então aquietava-se. Puxou o cabelo e analisou as veias azuis - infinitamente azuis - que tinha no braço. Apoiou as mãos no rosto e o rosto no corpo inteiro. Era essa o cansaço que tivera da leitura da carta da prostituta. Agora as coisas seriam diferentes. Eu teria participado daquela cena se pudesse porque era belíssimo observar uma mulher que tem cuidado descuidar-se constantemente. A segunda carta era a carta do louco: (...)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Velha Eterna | 5

(...) Depois de um princípio quase místico, achou que não fosse preciso desmentir tudo depois. Se imagina, supondo o que poderia estar ali, diante dela nada mais seria necessário. Pensou não dormir durante esta noite inteira. Pois que agora, diante dela, a carta de uma prostituta.


Brincar não vai tornar nada real. Eu já sabia que o afeto vinha aos montes e todo pedaço não tocado do meu corpo tinha calhado no mesmo lugar. O prêmio sempre tem intenção - o dinheiro, o galanteio do homem: sempre tem intenção. Eu sou praticante de uma vida sobre-feliz. Eu sou o lado clandestino da história. E se a prostituta não tem um lado legítimo para defender, eu não tenho mesmo. Eu preferia ter uma emoção legítima para defender um vilão. Alguém em uma língua estrangeira diz o que eu já deveria estar fazendo: olha o teatro que ele está fazendo! A admissão do adultério: tratar a dor que agora sente porque a vida de todo mundo é meio parecido. A gente quer ser diferente, mas a gente quer muito mais ser igual. A prostituta saía na rua usando um vestido que praticamente a despia. Se não tinha pudor? Certamente não tinha. A loucura tem de ser uma louca: uma loucura viável. Há pessoas que se aproximam com certa cerimônia - mas é claro que há tietagem. A primeira vista, eu fui séria há muito tempo. Uma mulher de alma mais velha do que a aparência? Impossível, eu tinha crescido como um arrombador de portas em potencial. É a prostituta, essa surpresa. Algumas coisas eram muito lindas. De decisões solitárias e perigosas: em dez anos a prostituta errou. Tratou de homens que eram frágeis em um dia, mais frágeis ainda em outro. A prostituta também era humana. Erros pequenos foram graves, mas a timidez precisaria de mais tempo para ser entendida. Era uma profissão em que se era acusada de várias coisas - então vinham as respostas às perguntas incômodas. As criticas justas vieram depois. Eu via uma arrogância muito perigosa: conforme o tempo passava, a prostituta diminuía a letra. A superficialidade era da natureza dela porque não havia nada mais superficial no mundo. Pulverizava pequenas notas sem deixar nem escândalo, nem fama, nem remorso. É lógico que o advento é um evento que a prostitua usa. Cinquenta milhões de ossos já passaram por ela. A observação da vida dos outros era a vida da prostituta. E se ela morreria de inveja? Não, não morreria. Aquilo era divertido porque não era sério.


Era divertido porque não era sério? A nudez era breve. Lambeu o dedo, virou a página, passou ao próximo. (...)