segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Tributo

❤ 30.11.2015

Em troca ou retribuição de afagos, elogios, alguma coisa sempre se constrói. Quando uma pessoa se interessa pela vida da outra, mesmo no interesse rasteiro que parece, tantas vezes, não levar a lugar algum, basta um gosto ou um gesto que você compartilha. Meio a pretexto de nada, um abraço, ou um jeito mais atento de olhar, se torna ícone capaz de marcar a sua história, e passa a ter o peso de uma oração que você fez, de uma vela acesa, de uma saudade nos momentos em que não foi possível concretizar a presença.

No meio das concessões que fazemos a nós mesmos, em métodos inventados de permanecer vivo apesar das dietas, das discussões desaprofundadas, da burrice, dos disfarces da felicidade artificial, o assobio fino da consciência manifesta uma vergonha que não aparece em muitas ocasiões.

E, diante da perda, sinto a  imediata retomada da ideia atroz da transitoriedade; e mesmo que tudo tenha a chance de durar um tempo, a vaidade enraizada nesta condição da humanidade que temos, coloca no morto (como se fosse possível escrever esta palavra sem negação) o símbolo do mártir; e ao mesmo tempo que deslumbra a beleza da vida que só termina para o adorno físico que somos obrigados a carregar, mas não para o íntimo, esso conforta, e, assim, as lembranças tem a chance de gravitar através do tempo, diminuindo o peso daquela sensação de estar jogado à mercê do balaio de gato de uma nação desunida, de coração cujo ritmo dá duas batidas pra frente e três passos pra trás.

E essa dor da perda torna-se um fenômeno físico de causa quase moral; e a raiva, a irritação violenta do descaso e da importância sem interpretação. Conflito inédito. Então, penso na desapropriação. Penso que, às vezes, as coisas não são nossas. São apenas as coisas dos outros deixadas no caminho que a gente passou.

Isso alivia?

Isso salva alguém de ter deixado um problema sem solução largado no caminho que outra pessoa vai passar? Ou de não ter ido visitar uma tia doente? De não ter ligado quando pode? Ou de não ter dito que amava, quando teve a chance; ou de ter dito que não amava mais, quando teve essa chance também.

Porque depois, quando a morte chega, quem vai embora está livre. E quem fica, continua buscando significado.

*Em memória da mulher e tia querida, Mary Pacheco, cuja saudade é irreparável. Que sua energia continue inspirando a todos nós.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O fio de nylon da vida

edith piaf - não, eu não lamento nada. nem do bem, nem do mal que me fizeram.
O que você vê, pra onde você olha, em que lugar seu olho pousa. Tudo tem um sentido supremo quando acontece; depois, a revisão de nossas próprias fotografias nos leva ao imaginário daquele lugar que não existe mais, daquela saudade que não volta. Tempo garboso... penso eu. Tempo no qual alcanço conclusão nenhuma a não ser a de que minha felicidade independe da supremacia da minha vontade. A felicidade é um direito de revoga constante; e de tristeza contante cujo conjunto de pensamentos delinquentes tentam subir os degraus e pular para as camadas da superfície. Este relato é tão breve quanto a vida; esta percepção não é nada além de uma tentativa de dizer que a sensação de não estar realizando nada efetivo me invade com mais frequência do que eu gostaria de admitir. É verdade de que o peso desta ideia também foge de mim com astúcia, nunca permanece muito porque o tempo acelerado também transforma a maneira como os pensamentos costumavam se organizar. Acontece que se a vida fosse interrompida hoje, o que estaria no topo ou, ao menos, em minha lista de coisas memoráveis? E uso a palavra genérica "coisas", por excesso de abstração que tem circulado em minha mente. Caso pudesse, me desassociaria de tudo. Principalmente, o vínculo com as preocupações burocráticas do que não é extraordinário. Um passaporte vencido, um filtro de café, o sucesso, a rinite, o câncer, tudo. A vida é um fio de nylon. Um elástico. Quem puxa? Quem se arrebenta?