estou a iniciar um texto. eu me concentro: e eu sei, eu vou perder um tempo. é como se fosse ter um filho ou fosse decolar, pular de um prédio. passo a ser uma extensão de mim. tropeço, como um bêbado. trago a embriaguez comigo. sou apenas um pacote de receios. sou eu, resguardo.
quinta-feira, 18 de junho de 2015
Aquele segundo antes do tempo
O tempo passa. Então basta, de manhã, mais cinco minutos de preguiça, entortando os olhos a contragosto de todas as obrigações sociais. A que devo, penso eu, toda satisfação desta companhia que cresce a cada instante, que flui a cada conhecimento trocado, intimidade? A que devo este sentimento nascido antes de toda maldade do mundo, de tanta relação falida ou infundada? Que recompensa é esta que chega a mim - e a você, pois toda esta história também é sua - de repente, sem aviso? Penso que o tempo da felicidade seja um agora tão ínfimo e, por isso, tento me agarrar a ele numa manobra precisa sem medir o esforço. Porque o amor não existe no rigor do controle, no manejo assertivo das ideias, nem na tensão demasiada. Mas na inevitabilidade da presença. Daí a disposição justa e conjunta de ir adiante, correr sobre o trilho do que você chama de "destino" (e eu concordo).
Se a cada encontro que acontece há coincidência em demasia ou apenas sutil disposição, não importa. Se a cada dia, cada miúda atitude age em favor de nós e até mesmo toda dificuldade vem ao encontro de nosso irremissível desejo de comparecimento, eu não sei. Porque o ineditismo da vida provoca mais perguntas que respostas, mais dúvidas do que soluções, e mesmo no desconforto que é a ignorância que existe diante do destino que eu sinto, você sente, e todo mundo que se propôs a viver um dia sentiu, ainda assim, percebo a expressa alegria, o empenho extraordinário que você tem em relação a nós. Parece que desta vez não foi preciso forçar nada, só há um habilidoso passar de dias, nosso jeito exclusivo de contar o tempo. A antecipação e o futuro. A gratidão pela condição de facilidade que caiu sobre nós.
É tudo reciproco, obrigada.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Aquele segundo antes do beijo
Aconteceu tudo, naquele segundo antes do beijo. Às vezes, acho que demorou o tempo de uma piscada, noutras de estrada que parece não levar a lugar nenhum aparente, só asfalto. O segundo antes do beijo: o reticente mais interessante, o incerto mais sedutor, todo afeto aprisionado no ar, no tempo da fração de um segundo miúdo. Acredito que o chão tenha diminuído, e progressivamente, a distancia entre o suspiro que passa comprimido no espaço entre as duas bocas e ato do encontro. Acho que não sobrou nada, nenhuma testemunha ocular deste acontecimento único, deste nervosismo óbvio do primeiro beijo que imagina, com delírio, a textura do outro lábio, ou a quentura das bochechas que se aproximam a galope. Neste instante, só existe o silencio do cuidado, de quem busca chegar na hora exata, na melhor hora, na hora inevitável, do contato que não pode mais ficar preso dentro de um corpo só. Imagino a tristeza das pessoas que morreram sem nunca terem vivido este momento. Que vida melancólica seria esta de nunca ter sucumbido a elegante dúvida do instante prévio ao beijo chega. Penso que tenho sorte; mas antes disso, penso que tenho você. E isso basta.
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