trazer aqui, mais embaixo, no mundo das trocas. |
todo navio tem um porto para atracar, era nisso que eu estava pensando. mas antes que esta embarcação pudesse demorar-se em qualquer lugar, talvez vagueasse muito como cego no caótico tiroteio do amor (e acho que esta ideia mudava radicalmente algumas coisas). em abrigo natural ou artificial, a instalação que recebe os amantes é como um local físico em que a ideia do refúgio se torna concreta. neste percurso da viagem e entre um cappuccino ou um gole ardido de jose cuervo, o tempo agia como um viciado que dava seu próprio valor, peso e medida às coisas. ora, então isto a que chamamos de amor - ou de zelo por falta de atrevimento maior - firmava, não somente a característica daquilo que é recíproco, mas também, naquele instante, a situação daquilo que permanece afastado. o amor continuará a zelar, mesmo à grandes distâncias, é verdade. acontece que justamente neste espaço entre a atonicidade platônica da paixão e a simplicidade da pele que não vem, a vigília do amor deixa de cuidar e passa a velá-lo. põe um véu sobre seu rosto transfigurado, desfigurado, irreconhecível. faz como faria o pranto de uma mãe sobre o corpo do filho estirado no chão, morto, em razão da estupidez ímpar de um acidente. ao passo dado não se retorna, então, amor e óbito não são casuais. talvez por isso o refluxo do pensamento sobre esta ideia seja, assim, tão frequente. o ancoradouro do amor permanece à esmo no mar de algumas vidas. a pergunta é: de quais delas?