Que todo amor extraviado, volte em forma de poesia. |
Dor romântica é como doença crônica, não tem cura; repete-se indefinidamente, permanece. Mantém-se ao longo da vida e talvez este seja seu ofício. É espectro pelo qual passa a técnica, toda habilidade de se relacionar. E o que é o relacionamento, se não a arte da correção? A correção posterior a dor aprendida - mas não esquecida - pois frustração amorosa não é amnésica. E nesse meio, o então amor que mutilou, lá atrás ou recentemente, não importa, que arrancou-lhe o coração às pressas, a sangue-frio, foi aquilo que o empenhou a afeiçoar-se de novo e, conseguiu, diante da demonstração de inédito e singular afeto, fazê-lo sentir-se emocionado e não com medo. Sábio organismo que, mesmo sem coração, reconheceu nas novas leis e ritmo do amor recém oferecido, a chance de tornar-lhe sujeito capaz de amar transitoriamente com os pulmões. É, se você já se sentiu capaz de amar com outros órgãos organizados, os rins ou cada víscera, os músculos se contraindo em benefício de afeto novo e incomum que você, ainda portador do côncavo peito, notou ter ressinificado, essa é a sensação de autêntica liberdade da antiga dor.
O amor não esquece, mas se reinventa, dá outro sentido à consciência da emoção e da imensa capacidade de dedicação que você pode prestar a si e ao outro. Eu não consigo imaginar alguém que nunca perdeu. Quem nunca teve nenhuma perda, não está entre nós. Conheço, ao contrário, porção massiva de gente que parece viver sem ter percebido que perdeu alguma coisa e acaba sem dar-se conta de que já perdeu, nem que tenha sido o dia de ontem. Essas injustiças aterrorizam. É motivo de muita infelicidade essa expectativa que se tem de ser alegre e feliz o tempo todo; porque, se você for capturado por questões mais existenciais, deve procurar um médico - tem-se essa ideia de que a infelicidade é improdutiva. Há algo de politicamente perigoso nisso. Às vezes, a vida mais saudável é a vida absurda, a de uma absurdidade boa. E por isso, o tempo não cura tudo. Não cura nada. O tempo, de maneira exclusiva e sem dificuldade, apenas desloca o incurável centro das atenções para o espaço da ausência do interesse, perímetro distante. Não é a salvação dos ocupados pelas mágoas constantes, dos que idealizam a angústia ou a ludibriam, ou dos que se recusam a senti-la. O tempo faz encarar o diagnóstico de ferido de guerra, sair do delírio, desprender a ação que está amarrada ao dilema de não amar nunca mais: é isso que faz o intelecto forte iluminado pela dor. O coração se reconstruirá mais gentil, acredite. O passado não é mais de jurisdição própria. É só o SAC do nosso futuro. E o presente, bom, este é um pleonasmo.