"o grande rio" (1990) | nanquim sobre papel de leonilson. |
O corpo me lembra algo que já desejei, mas não sei exatamente o quê. Talvez a textura da pele ou da palma da mão. É, as mãos são tão únicas. São conexões. Uma mulher com as mãos cheias de vincos e veias saltando do plano rasteiro da pele, conforme gesticula ao falar. Dediquei silencioso tempo a reparar em cada dobra e, ainda assim, penso ter deixado escapar algum detalhe essencial ou vertiginoso, talvez, ali onde as unhas curtas aparadas a beira da ponta dos dedos, alguns ligeiramente tortos, nada absurdo, mas longos também sem exagero ou falta de proporção, se encontram formando uma imagem quase familiar, acentuando a ideia de que há algo nela que já conheço. Penso como pude não ter reparado nessas mãos semanas atrás, quando nos encontramos na porta do concerto. Talvez estivesse rodeada de maneirismo, e nada veio ao encontro, à dimensão visível. Acho que só se pode ter a atenção lapidada, com todos os elementos necessários, depois de algum tipo de autorização prévia ao toque, mas posterior a tomada da consciência, porque, assim, a ideia da mão se torna a mão tocada por mim, concreta, passível de descrição; enquanto a mão que não foi tocada é como corpo celeste vagueando no espaço, é autentica, mas não pertence a ninguém, a não ser a si mesma, não faz parte de história alguma, é como se estivesse perdida, não tem ligação efetiva com a realidade, não existe no plano da importância, pro outro - é somente subsidente, perdura, na ordem etérea da imaginação, sem vínculos. E o que seria de nós sem a expectativa da continuidade, nessas horas, em que sinto através de uma percepção quase intuitiva que de longe pareço normal, e de perto, pareço distante. E nesta fina lacuna, em que observo o passar dos dias com os olhos mareados, o corpo tenta deslocar-se, ainda que na direção de tais ásperas mãos, cujo embate ainda não sei se vem como roubo ou maravilha. No futuro, sei que há de tudo dar certo, quando menos se desespera.