Fildsville, outono de 2025. |
fildsville, 07 de junho de 2025.
querida maria paula,
iniciarei este contato dizendo o quanto sou grata a você. diante da notícia de sua mudança, acredito que meu desejo de movimento tenha se excitado fortemente também. é curioso como estas vontades intrínsecas dos amigos nos embatem com surpresa e desapontam em nós ramificações que dificilmente somos capazes de perceber no instante em que acontecem. mesmo após tantos anos, justamente porque me desperta para encargo de meditar todas as vezes, sua amizade cultiva esta unicidade e valor para mim. obrigada.
confesso a você que minha cabeça tentou organizar a ideia que você me propôs. o dom e a vocação talvez sejam elementos muito semelhantes e, ainda assim, muito desiguais. acredito que a vocação nos unifique, sabe? uma propagandista, um pregador in loco que não descansa nunca. ao mesmo tempo, o dom nos mutila nestas pregações, nos rasga, é nosso criminoso, nosso pior juiz.perdoaremos pela nossa vocação, mataremos por nosso dom.
sabe, minha amiga, acredito que é preciso muito talento para que se possa crer (com verdade) no quanto ele é insuficiente. não sofra por imaginar que lhe é pretensão o ato de auto-abençoar-se com este dom. todo dom é uma virtude (muitas vezes às avessas), mas é, principalmente, a virtude da disposição constante que busca praticar o bem ao invés do mal - e o bem também se faz desajeitadamente. por isso, não me ocorre nenhuma razão para que transforme isto em um simbolo perverso. jamais de peso. porque se as virtudes originam-se em alguma reunião do cosmos alheia a nossa vontade ou se nossos orixás costuram estas disposições ao redor de nosso espírito, não importa; escrever é um ato cartilaginoso que exercemos para formar esta carcaça, para proteger este íntimo com que fomos presenteados. aquilo que não é uma escolha não pode ser considerado mérito ou fracasso, lembra que comentamos isto certa vez? se é vocação, é disposição, é virtude, automaticamente é dom. esta sua aura abriga muitas palavras e, todas elas, a levarão a escrever. quanta diferença faz qual nome daremos a este ato? axé, mulher!
também acredito que nossa predisposição de raciocinar, de dinamizar ações e fatos dentro da lógica, permanece de mãos atadas com nosso corpo. poderia facilmente dizer que "ficaria louca do corpo", sabe? pois que minha mente faz parte deste adorno físico que sou obrigada a carregar, de certa forma, no mundo em que vivemos este presente. a saúde de nossa cabeça pode fazer padecer o corpo, minha querida. perdemos dezenas de quilos durante a vida por depositarmos preocupações em ações tão frívolas enquanto nosso eu carece de nós.
estou em dúvida quanto minha capacidade de expressar clareza, hoje, em particular. no mais nobre sentido, estas cartas sempre serão finitas para nós. vê nossos braços se estendendo?
um beijo grande e a saudade de sempre,
ana.
ps. envio a você as fotos que fiz durante este outono. nosso jardim tem estado tão agradável estes dias. dividí-lo com você teria sido de grande felicidade. espero que goste!